segunda-feira, 2 de março de 2020

É possível ter filhos e alcançar a independência financeira?

Olá pessoal.

Ao ler artigos sobre o movimento FIRE em inglês deparei com uma constatação: uma parcela considerável dos aspirantes à independência financeira é formada por casais em que ambos trabalham e não desejam ter filhos - "DINK" (double income, no kids). No caso de minha família, não temos duas rendas fixas - no momento - e temos filhos, ou seja, não nos encaixamos nesse perfil. Há esperança para os casados com filhos ou estamos fadados a uma vida na eterna corrida dos ratos?

Antes de tentar responder a pergunta, uma pequena história. Meu avô materno teve 16 irmãos; minha avó 12 - outros tempos. Viviam na roça e era bastante comum famílias grandes, com muitos descendentes. Começaram a trabalhar cedo, por volta dos 7 anos. Frugalidade e simplicidade não eram opções como em nossas vidas pós-modernas - eram necessidades. Tiveram 5 filhos. Em média, cada filho proporcionou 2 netos. A maioria dos netos não deseja ser pai nem mãe. 

O parágrafo acima pode ser substituído pela taxa histórica de fecundidade no Brasil:




Como podem perceber, houve uma queda considerável na quantidade de filhos por mulher. Recordo-me de que, no bairro em que cresci, havia muitas crianças nas ruas brincando e se divertindo. Eram ótimas atividades e que não tinham nenhum custo. Quem jogou bola na rua sabe o prazer proporcionado pela brincadeira. Tenho saudades do futebol, pique-esconde e de soltar papagaio (pipa). E pensar que toda essa diversão só tinha o custo de alguns arranhões, tampões de dedo irrigando o asfalto e braços destroncados. Muita alegria, baixas expectativas e baixos custos.


 Minha infância e adolescência: futebol de rua era meu sobrenome


Atualmente, não há mais diversão nessa rua. E não é por conta de insegurança ou criminalidade - na verdade, sinto que hoje é até mais seguro, ao menos nesse local. Simplesmente as crianças sumiram. As poucas que existem preferem brincadeiras mais "seguras" como ficar no youtube o dia inteiro ou jogar "counter strike". Se a criança quiser jogar futebol precisa pagar mensalidade na escolinha do bairro.

Muitos que planejam a independência financeira não possuem nem querem ter filhos. O novo "normal" é não casar; se casar, separar com menos de um ano; se casar e não separar, não ter filhos.

Daí que, ao menos no meu círculo de convivência, ter 30 e poucos anos, dois filhos e mais de 10 anos de casado é fazer parte do "politicamente incorreto". Acrescente a tudo isso uma ideia maluca que beira heresia no nosso sistema e até em parte da blogosfera nos últimos dias: acumular patrimônio e renda que lhe permitam viver sem que precise vender sua força de trabalho.

Afinal, é possível casar, ter filhos e acumular patrimônio? 

A resposta, como tudo nessa vida, é DEPENDE; do quanto ganha, do quanto gasta e das expectativas.

Primeiro depende de você e de suas expectativas. As aspirações dos meus bizavós e avós eram de sobreviver sem que a prole morresse no caminho - só isso. Essencial era comida, água e lugar para morar - e olhe lá.

Geração após geração as expectativas foram infladas e hoje o básico para sobreviver é: internet de 100 mega, netflix, amazon prime, mudar para Portugal, youtube premium, premiere fc (quem vive sem futebol), iphone, escola integral e bilíngue, plano de saúde com apartamento na cobertura, ifood 3 vezes por semana, churrasco com os amigos, inglês desde os 3 anos, xbox ou ps4, TV 4K, 2 carros para a família, empregada doméstica, psiquiatra, diarista, babá, intercâmbio para Nova Zelândia, viagens para a Disney (de dois em dois anos), psicóloga, personal trainer, viagem para a praia todo o ano, roupas de marca, etc. A verdade é que não há limites para nossas expectativas, principalmente se deixarmos que sejam controladas pela nossa sociedade "pouco consumista".

Não basta controlar suas expectativas; não se esqueça das expectativas do cônjuge e, principalmente, dos filhos. Você se esforça para ensinar aquilo que reputa de valor para os filhos, mas com 6 anos pode ouvir a seguinte pergunta: "papai, já que todos meus amigos tem um iphone, quando vou ganhar um"?

Ainda não ouvi essa pergunta, mas tenho certeza de que lidarei com essas questões em algum momento.

Em segundo lugar, entendo que, tão importante quanto educar os filhos sobre como gastar, é prepará-los para ganhar e conquistar a independência. Fico cada vez mais assustado com o nível de preguiça dos jovens e adolescentes que conheço. Sempre quis crescer e ser independente. Não sei de onde veio, mas sempre tive esse desejo. Meu maior desafio é proporcionar a maior dignidade possível para os filhos e, ao mesmo tempo, acender e fazer permanecer acesa a chama do desejo e da conquista. 

Não é exatamente fácil - nos dias atuais -  criar filhos educados financeiramente e, ao mesmo tempo, batalhadores. Afinal, "por que vou ganhar pouco mais de um salário mínimo se não preciso de muito e os papais me dão tudo de que preciso para ser feliz"

Queria ter uma resposta simples. O que tento fazer é manter minha família com os pés no chão, mas os sonhos nas nuvens. Conviver com pessoas não apenas pela posição social ou pelo status; mas por aquilo que são, sem deixar de almejar por dias melhores. Frequentar espaços de gente normal, com lutas normais e que valorizam um prato de comida. Ensiná-los a gastar e a ganhar. E, não menos importante, não inflar o padrão de vida apenas porque todo mundo acha bonito.

Um bom resumo do que desejo ensinar para os filhos é a frase do pregador inglês John Wesley: "ganhe o máximo que puder, economize o máximo que puder e doe o máximo que puder".

Para uma boa parcela da sociedade casamento e filhos são coisas impensáveis. São âncoras que estragam a vida e limitam a existência.

Para mim, ao menos até hoje, são sinônimos de prazer e responsabilidade. E essa responsabilidade - inspirado naquilo que diz o Jordan Peterson - é o que me impulsiona a estudar sobre finanças, investimentos e desejar um futuro melhor para mim e minha família.

A responsabilidade na família pode ser um peso e um alívio. Um peso por saber que sua família depende de você, mas um alívio por fornecer sentido em um mundo caótico e cada vez com menos significado.

Não há dúvida de que o caminho dos DINKs é menos difícil, principalmente no movimento FIRE. De toda forma, estou na luta pela independência financeira com e pela família; se a independência não vier, não tem problema. Mas vou lutar até o fim ao lado dos meus e para os meus.

Um abraço e até a próxima.

Palestra de Rossandro Klinjey sobre criação e filhos ingratos:





  

2 comentários:

  1. Reflexão muito pertinente!

    De fato, é mais difícil, mas não impossível. O segredo é mesmo no que citou: educar os filhos para serem mais, e não terem mais. Mostrar a elas o que é realmente importante, e o que é, de fato, essencial para a felicidade.

    Infelizmente não é fácil. Mas necessário. E o objetivo disto tudo, não é nem a IF do casal, mas sim criar uma vida prazerosa aos filhos. A IF é consequência.

    Abraço!

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  2. Olá André!

    Obrigado pelo comentário. "Difícil, mas não impossível", é a minha esperança!

    Abraço!

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